Alma Minha

Escritos e "guardados" que refletem um tempo, uma época, uma alma.

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Local: São Paulo, São Paulo, Brazil

04 agosto 2006

QUATRO PATAMARES

I

No silêncio de uma manhã, clara e bonita, em que nem o murmúrio do vento se fazia ouvir.
Numa manhã, qual primavera, que num bocejo se abre, depois de um triste inverno.
Numa manhã radiante de sol, com seus raios que calam fundo na terra germinando a semente, crescendo a árvore, fecundando o solo, dando o fruto, sendo amor divino.
Nesta manhã clara de primavera e sol, nesta manhã te vi; longe, bem antes do por do sol.

II

E com o sol a pino, em pleno meio-dia, caminhei mais depressa, sem me importar com o vento que balançava as copas das árvores.
Caminhei mais depressa, sem me importar com o verão que fazia, qual castigo que se dá á bela harmonia de uma primavera.
Caminhei mais depressa, sem me importar com o sol implacável que, transpondo a terra seca a semente, mingua a árvore, mata a flor, estraçalha o fruto, sendo ódio inclemente.
Caminhei mais depressa, sem me importar com o vento e com o sol do verão; caminhei mais depressa para chegar onde estavas.

III

E numa tarde fresca de outono, em que o vento derrubava folhas secas pelo caminho.
Nesta tarde de outono, calma e cinzenta, como o homem já maduro, que viveu e quer descansar.
Nesta tarde de outono, em que o sol por trás das nuvens as enfurecia e as fazia chorar.
Nesta tarde de outono, eu, cansada de correr e brincar, cansada de procurar e não te ver, cansada de te chamar e não te ouvir, matei meu cansaço com a força de teus braços, minha sede com a luz de teus olhos, minha fome com o som de tua voz.

IV

Nesta noite fria de inverno, em que o vento violento geme e range nas dobradiças.
Nesta noite escura qual breu, em que o homem encontra o seu descanso.
Nesta noite, uma luz não prateia o céu; somente uma estrela espreita a solidão.
Nesta noite de inverno, fria e escura, só, infinitamente só, lembro que estou cansada, que tenho fome e sede, e, no entanto, sei que estou só e morrerei antes de um novo sol raiar.
Lembro de teus braços, tua voz, teus olhos, e sinto vontade de chorar. E choro ao lembrar quando teus braços me soltaram, quando teus olhos fecharam; mas tua voz não emudeceu. Ela restou para me dizer adeus. E esses mesmos olhos que te viram, te encontraram e beberam de tua luz, agora te vêm seguindo o teu caminho. Vais sozinho. E eu caminho só, sem ter você.
As lágrimas me impedem de ver a estrela, pequenina, no vácuo, tão só quanto eu.
E antes da noite chegar, antes da tarde findar, bem ao por do sol, eu descobri o quanto te amo.

02/11/72